Mostra organizada pelo Sesc apresenta novos talentos
No dia 14 de junho ocorreu no cinema da Unicentro a exibição da mostra Cinema Paranaense em Expansão. Organizada pelo Sesc, o evento apresentou filmes de curta metragem produzidos por diretores paranaenses que vão desde a animação até documentário.
Uma miscigenação de gêneros carregada pela linguagem do curta metragem, e que a cada segundo exibido transmite um cinema puro e ambicioso. Essa é a essência da Mostra Cinema Paranaense em Expansão que começou com a exibição do curta Meu Medo. Única animação do evento que é dirigida por Murilo Hauser. O curta envolve a história de uma criança e seu mundo, onde sua rotina é abruptamente abalada por um sentimento de agonia e invasão. Esse sentimento leva o menino a uma aflição psicológica que chega a descarregar momentos de tensões, como no momento em que para tentar inibir o medo, o garoto toca notas repetidas em seu piano. O desespero se instala quando rachaduras se espalham pela casa, levando objetos e brinquedos, como o seu trenzinho, para um abismo desconhecido, ou melhor, escondido. O som do medo aliado ao som das ruas hipnotiza ainda mais esse menino, que estando sem caminhos para uma saída, se vê obrigado a subir até a janela e esperar o destino.
O segundo apresentado foi o curta experimental Deus. Rompendo parâmetros, a imagem se desloca rapidamente, imperceptível ao olho humano, e de um céu mágico que chega a parecer imóvel, a música esquizofrênica gradualmente mostra o seu poder. Cinco minutos de reflexão intensificadas pelo casamento abstrato e minimalista de imagem e som. Dirigido por João Krefer, o curta inova, além de explorar mais essa linguagem cinematográfica.
O Super 8 abre espaço para dar uma tonalidade especial para o brega romântico Mesera. A narrativa envolve o romance entre um contrabandista e uma garçonete de bar, que depois de se conhecerem dançando ao som de uma vitrola e muitas cervejas, decidem cruzar a fronteira para uma entrega especial. Ela não parece ter malícia e seu semblante é de inocência, tem um corpo esbelto e exuberante, que na cautela do contrabandista fica no meio do caminho. Enquanto ele conclui a operação, ela espera pacientemente sentada na porta de um caminhão, olhando para a estrada á espera que cada carro que passa seja o seu. O reencontro é marcado por beijos e olhares apaixonados, que subitamente são interrompidos por tiros que fazem de Emilio Varela, o contrabandista, um defunto sobre a terra áspera. Articulação que ela conclui pegando a entrega e sumindo pela a estrada, em busca de um destino. O filme de Pedro Merege além de ser um tipo de produção pouco convencional na cinematografia brasileira é um retrato pitoresco, lembrando a cada borrão um pouco das origens do cinema e sua magia na sala escura.
A simetria da praça revela uma cidade deserta, oculta e vazia. Um espaço natural onde o tempo corre como as águas do rio. Bolpebra, filme de Guilherme Marinho, João Castelo Branco e Rafael Urban, é o nome da cidade fronteira entre Peru, Bolívia e Brasil. Tem 40 habitantes, índios em sua maioria, que além da praça possuem uma quadra e uma vasta paisagem natural. Eles falam um idioma marcado pela posição geográfica, um espanhol mais desdenhado, arranhado pelo seu contexto fragmentário. As linhas da quadra vazia aliada ao vento que contorna a flexibilidade das folhas, fazem do silêncio da cidade um eco que percorre a recente praça de apenas um banco e duas luminárias. A constante vibração da natureza enfatiza ainda mais esse distúrbio nacionalista que parece percorrer Bolpebra, fazendo de seus habitantes seres desconhecidos e exóticos em meio á um mundo globalizado.
Dando vida tanto para as fotos como para o ambiente que proporcionaram a Haruo Ohara desenvolver o seu trabalho artístico, o cineasta Rodrigo Grota faz de seu curta uma homenagem para esse explorador. Abordando a sensibilidade e o encantamento, que fizeram desse emigrante japonês um referencial para a cultura londrinense, sob o prisma de uma fotografia apurada, no qual o preto e branco impõe o seu contraste, cenas de ficção mesclam se com momentos documentais, pedaços da vida intercalados por fotografias restauradas.
Quando Haruo pede para uma criança soltar um guarda chuva de cima de uma escada imaginamos a captura de um simples movimento, porém quando a fotografia original é apresentada no final do filme, deparamos com a riqueza dos detalhes proporcionados pela sua visão apurada, seu faro fotográfico em uma época em que as tecnologias andavam em passos lentos.
A realidade esculpida por um humilde agricultor que viu na fotografia um modo de interpretar o seu mundo, o seu cotidiano, marcado por tempos em que a família unida e a rotina campestre delegavam um arcaico modo de vida. Um artesão visual que caminhava a passos largos de seu tempo, misturando a tradição oriental á cultura do café, temas tão abordados em seu caminho.
Vó Maria, documentário no qual o cineasta Tomás von der Osten trabalha fragmentos de uma foto, sob o olhar aguçado de uma neta, bisneta e tataraneta. A foto de Maria revela uma personalidade séria, reforçada pelo tom escuro de sua roupa, além de construir um dialogo entre gerações. Gírias e acentuações fazem da fala um meio de detectar diferentes épocas, fazendo de cada opinião um registro familiar no qual gradualmente se renova. O filme começa esmiuçando em pequenos pedaços a antiga fotografia sob a voz da neta que compartilha momentos e características intima de uma vida passada. Os pedaços aos poucos vão se dilatando e ao som da voz da bisneta vão mostrando um pouco mais sobre esse rosto que configura uma superação, uma mulher de valores e crenças concretas. O tom da voz muda e quando começam as gírias, a fotografia se abre por completa, reluzente e nostálgica, fazendo do discurso adolescente a chave para fechar a narrativa, e consequentemente, a contemplação de um passado marcado por muito trabalho e respeito.
A liquidez da cultura contemporânea carrega consigo o rompimento de fronteiras e identidades, tornando um tanto sensível a sua demarcação. Por isso, determinar como um conjunto ou um grupo regional além de ser um ato reducionista, determina certo ato de preconceito.
Portanto a ideia de que uma escola possa ser pensada em relação aos curtas é facilmente descartada quando vemos aldeias de diferentes lugares com uma perspectiva em comum a dos curtas. A ferramenta tecnológica aliada ao espírito estético apurado, resultando no fomento de uma produção marcada pela junção entre dinamismo e o experimentalismo, produz filmes que carregam uma nova forma de fazer e pensar cinema.
Editado por Yarê Protzek
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