quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Elas estão a nossa volta

Lidar com as diferenças nem sempre é fácil, entender como elas funcionam ajuda a conhecer, aceitar e lidar com isso numa sociedade individualista.

Ellen Rebello


A vida nunca foi fácil para Lucinéia Baltazar da Luz, lutar contra as dificuldades do dia a dia não é a única barreira encontrada pela estudante de psicologia de 29 anos: “Nossa sociedade tem de ser moldada para o deficiente. Meu projeto de trabalho de conclusão de curso é voltado ao deficiente, como a sociedade faz para aceitar e ajudar essa pessoa, que tem suas limitações, mas é capaz de qualquer coisa como uma pessoa normal”.

Anomalia congênita ou defeitos de nascimento são anormalidades físicas, ou seja, a má formação dos membros. A que afeta a estudante de psicologia são os braços que não se formaram corretamente: “Não tem cura ou algo que se possa fazer. Na verdade poderia utilizar próteses, mas quando me aceitei assim, resolvi que não iria passar por mais essa aprovação, as pessoas te olham torto quando vêem você. Sem os braços (próteses) chamo menos atenção”.


Assim as dificuldades são superadas, sem as mãos ela utiliza os pés

Nascida com a deficiência ela já passou por diversos momentos críticos, chegou a tentar até suicídio: “Eu me adaptei desde pequena a lidar com essa situação. Mas teve um momento específico que eu não me aceitava e acabei tomando veneno. Queria acabar com a vida que eu considerava ruim, entrei em depressão. Me revoltei diante das minhas limitações e passei uma semana em coma”.

As coisas começaram a mudar quando Lucinéia passou a fazer tratamento e ver que sua deficiência não era problema, sua aceitação ajudou com tudo. “Fiz tratamento psicológico, eu e minha família. Sempre foram superprotetores, querendo que eu ficasse do lado deles sempre e que eles fizessem tudo por mim. Sabemos que não é assim, apesar de não ter os dois braços consigo fazer tudo que uma pessoa normal faz”.

Lucinéia trabalha normalmente, lidando diretamente com as pessoas

Lucinéia trabalha, faz serviços da casa como limpar, guardar roupas, lavar louça, por isso ela se considera uma pessoa normal: “Eu vou pra balada, me arrumo, faço maquiagem. As pessoas me perguntam como coloco sutiã ou como coloco minha calça. É normal como qualquer mulher faz. Para colocar a calça tenho um adaptador, pro resto eu me viro como dá. Utilizo meus pés para maioria das coisas, passar batom é com eles, a maquiagem em geral é com eles. Mas consigo prender o cabelo, utilizar o computador, atender o telefone. Na faculdade, por exemplo, não tem nada de auxílio, é uma sala como as outras”.

O preconceito é mais uma das dificuldades enfrentadas por ela: “As pessoas olhando de canto, com certo medo ou hesitação atrapalha bastante. A falta de consciência e educação das pessoas é a pior deficiência, não a falta de dois braços. Essas coisas diminuem o cidadão, é horrível, ninguém é melhor ou pior que alguém, alguns se destacam por algumas coisas, mas é só. Eu ainda vejo que há muitas deficiências piores que a minha”.

Com relação as leis que garantem os direitos dos deficientes ela é clara: “Se é meu direito, tenho sim que usufruir. Não há nada de errado nisso. A gente se depara com certas situações um pouco mais complicadas. Outro dia na faculdade mesmo fiz valer esse meu direito de preferência no atendimento, se posso uso sim. Pedi ao atendente que me ajudasse pois é o que está na lei. E não é só isso, as cotas existem para facilitar e ajudar nosso reconhecimento dentro da sociedade e é assim que eu faço”.

Olhando para o passado e também para o futuro Lucinéia se diz feliz: “Já errei muito, acredito que a pior besteira que fiz foi tentar tirar a minha vida, mas hoje sou feliz. Tenho muitos planos futuros: minha casa, terminar a faculdade, viajar. Sonho com minha vida e projeto tudo o que vou fazer. O deficiente pode ter uma vida normal, o maior problema da deficiência é o impacto de primeira que ela causa a sua volta, depois quando começa a se relacionar e conviver com um portador, aquele problema diminui ou até mesmo acaba. E assim tende a ser com todos os portadores, que como eu, tem a necessidade de ser feliz”.

Uma doce princesa

Quem olha nos olhos azuis da pequena Gabrielly não imagina por tudo que a garotinha de apenas 4 anos já passou. Foram dias e dias de muita medicação e preocupação dos pais e de toda família que sofreu com a sua história.

Foto: arquivo pessoal

Aos 4 meses Gabi, como é chamada carinhosamente pelos familiares, tomou uma vacina que trouxe complicações para o resto de sua vida. Para a mãe da menina, Chaiane Junges, a vida é normal, mas com muitas limitações: “Eu acredito em erro medico, tanto que vamos acionar a justiça para ajudar a reparar todas as dificuldades pela qual passamos. Quando ela tomou a vacina teve convulsões, que levaram a uma lesão cerebral. Hoje não vejo dificuldades, mas já passamos por momentos muito difíceis”.

A aceitação em um primeiro momento é complicada mais para os familiares do que pra própria criança que não entende pelo que esta passando: “Ela não passou por um período de normalidade, era muito pequena pra compreender tudo que estava acontecendo. Nós que acompanhamos sofremos mais que ela. Todos os tratamentos sem eficácia, tantas crises, que até hoje ela tem, tudo que ela sofre, sofremos juntos”.

Gabi apesar da pouca idade já sofreu mais do que podemos imaginar, como conta sua mãe: “Teve uma época em que ela precisava tomar morfina pra aliviar a dor. Outros remédios não faziam efeito e ela gritava noite e dia. A morfina fazia ela se acalmar, sentir menos dor e dormir. Eu fico olhando e imaginando tudo que ela sente e que não posso fazer nada. Isso é frustrante pra mim como mãe”.

Desde muito nova Gabrielly toma muitos remédios, alguns deles não estão disponíveis no Brasil e sua família precisa ir até a Argentina para conseguir fazer o tratamento: “Hoje ela tem diagnóstico de epilepsia de alto grau, porque tem crises todos os dias que são controladas pelos medicamentos. Até agora os médicos tem conduzido bem os tratamentos e ela tem se mantido estável, com crises controladas”.

Apesar das dificuldades Gabi tem uma vida de uma criança normal, frequenta escola, ainda não anda, mas brinca como toda criança e é muito alegre: “Percebemos a evolução dela ao passar do tempo. Ela frequenta fonoaudióloga, fisioterapeuta periodicamente. Ela tem um espaço com brinquedos para que fique mais a vontade e consiga se desenvolver melhor. Antes ela não comia, só mamava. Agora ela come sopinhas, papinhas e vitaminas. É um avanço enorme, me emociono vendo ela pegar os brinquedos e sorrir, feliz com o que está fazendo”, conta sua tia Charlene Junges.

Gabi aos poucos recupera os movimentos perdidos devido a lesão cerebral

Os tratamentos a que Gabi é submetida não tem apoio nenhum do governo. Nem mesmo o medicamento que ela precisa existe no Brasil e é bancado pela própria família como diz a mãe, Chaiane: “Ela precisa ir ao médico em Curitiba duas vezes ao ano, mas como é muito caro (cada consulta custa em torno de R$390,00), estamos indo uma vez só. O remédio da Argentina dura três meses e custa R$600,00. Além da viagem, encomendar de lá sai ainda mais caro. É difícil bancar todos os gastos que temos com ela, a gente aperta dali, daqui e consegue administrar com dificuldade, apesar de tudo ainda dá”.

Pegar e movimentar os brinquedos, uma nova conquista na vida de Gabi

A evolução de Gabi tem seu próprio tempo, mas seu desenvolvimento é notório e emociona Chaiane. “Ela tem suas limitações e é mais suscetível a doenças como gripes e viroses. Mas ela tem aprendido mais a cada dia e isso é visível. No tempo dela ela vai voltar a falar, a andar e a brincar. Isso nos deixa felizes e ansiosos também. Queremos ver a mudança para que ela tenha uma vida melhor, que consequentemente reflete em nossas vidas”.

Editado por Giovani Ciquelero

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