quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

A luta nossa de cada dia

Mário Rapouso Jr.

Em um mundo onde a disparidade entre classes sociais é tão grande, é comum nos depararmos com cenas de desigualdade econômicas inúmeras vezes durante o dia, e o pior é que a maioria das pessoas demonstram, pela falta de atitude, ter certa cegueira diante desses problemas. Me parece que a sociedade vê as desigualdade entre classes como algo normal.
O comportamento adotado pela população, de maneira geral, é resultado de uma sociedade individualista, que se fundamenta em preceitos consumistas, onde a maioria da população vive na correria por aumentar seus lucros e alavancar suas produções, assim a compaixão pelo próximo passa despercebido.
Aqueles que detêm alto poder aquisitivo são os que conseguem falar mais alto na sociedade, Por isso, quando nos deparamos com pessoas que foram excluídas dos grandes centros, forçadas a viver nas periferias em condições precárias e lutando pelo sustento diário, nós causa um choque. E é nesse cenário, constrangedor para quem não é habituado a ele, que encontramos Irene, uma catadora de lixo que sustenta cinco filhos.

Fotos: Mário Rapouso Jr.
Irene, em busca do sustento da casa

Irene, uma mulher de aparecia surrada, mora no bairro Paz e Bem e, sai todo dia pela manhã para voltar só no fim da noite, com o sustento da família. Ela tem um filho de 11 anos, Giovani, que a acompanha, no serviço, ao invés de ir à escola. Quando perguntado sobre a rotina com a mãe e se não sente falta de brincar durante o dia, o garoto responde de forma simples: “Passamos de casa em casa pedindo papelão. Quando não encontramos nas ruas, pedimos nas casas. Algumas já nós conhecem e deixam os papelões separados. Mas a maioria não gosta que a gente ‘pede’, ficam com medo. – Pergunto: Brincar? Eu brinco depois, mais à tarde”.

Giovani, um ilustre desenhista

Intrigado, pergunto a dona Irene, o que ela acha da própria vida, da situação em que se encontra, sem amparo por parte do Estado, sem escolha, passando fome, entre outras dificuldades para criar os cinco filhos e ela responde de forma direta e simples: “É assim mesmo”. Refaço a pergunta, mas a resposta continua a mesma: “É assim mesmo”.
Verdadeiramente, pessoas como Irene, geralmente, não conhecem outra realidade fora da qual elas vivem e por isso acabam achando que é normal se encontrar na situação em que estão. Esse conformismo social e econômico que pessoas mais carentes adotam deveria incomodar aqueles que não são carentes que tem poder de para mudar essa realidade.
O garoto Giovani não freqüenta a escola. Aos seus 11 anos, ele tem que abrir mão da sua infância para ajudar a mãe a levar sustento para casa. Segundo Irene, o garoto é um ótimo desenhista. “Ele gosta muito de desenhar, pratica sempre que dá. E desenha muito bem”. Giovani conta que gostaria de trabalhar com essa arte no futuro. “Eu gosto bastante de desenhar, queria trabalhar com isso no futuro, mas tenho que ajudar a mãe, né! É mais importante dar comida pra família”.
Giovani pode ser considerado um exemplo de filho. Com apenas 11 anos ajuda a mãe em tudo o que ela precisa e, ainda, trabalha sob o tempo instável. Indago sobre o que ele acha que está errado nessa vida e o garoto responde de forma humilde: “Catar papelão. É muito ruim catar papelão nesse carrinho no frio, nos dia de geada e na chuva. No sol quente é bom. Quando está chovendo eu peço para meus irmãos virem ajudar, mas quase sempre é eu que venho”.
Pra finalizar, pergunto para o garoto se ele acha que a situação vai mudar um dia e ele responde um “vai” cheio de esperança. Continuo a pergunta querendo saber o que ele vai fazer para mudar essa situação. “Que Jesus ajude nós pra mudar. Eu não gosto de catar papelão”.

Um povo simples, honesto e hospitaleiro

Ainda é cedo e no bairro Paz e Bem, e após uma pequena volta pelo lugar me deparo com Dona Maria, uma senhora acanhada, no auge dos seus 59 anos. Começo a conversar com ela e logo descubro que Dona Maria recolhe material reciclável há 15 anos. Além de me contar sobre seu ‘ganha pão’, ela se lembra de como era mais fácil antes e como a vida vem se tornando mais difícil ao longo dos anos. “Antes nós ‘tinha’ o lixão onde tinha papelão, latinha, e muitas vezes restos de comida que matava a nossa fome. Tinha (alimento) pra todo mundo, não era igual tá hoje. Depois que a prefeitura veio aqui e fecho o lixão a gente tem que sair para os outros bairros atrás de papelão. Tem dia que a gente passa até fome, coisa que antes não acontecia porque sempre tinha uma batata, uma cebola ou até mesmo restos que dava para gente comer”.
Questiono a Dona Maria se ela pode me mostrar sua casa e sua família para eu conhecer melhor essa figura tão carismática e ela mais que prontamente me dá a permissão. “Claro, vamos entrando. Não vai reparar a bagunça”. Chegando na casa dela me deparo com uma menininha desenhando e, também, com um rapaz tímido. Logo descubro que a menininha se chama Sofia, tem nove anos e o jovem se chama Felipe, ambos netos de Dona Maria. O pai deles, Eduardo, tem 29 anos e, assim como nosso amigo Giovani, ajuda sua mãe nas tarefas de casa e a trazer sustento para a casa.

Casa da dona Maria

Durante a conversa, Eduardo, pai de Sofia e Felipe, diz o mesmo que sua mãe já havia dito antes: antigamente era mais fácil de levar a vida. “Mal conseguimos tirar 100 reais por mês! Veja o tanto de catador que tem na cidade. Muita gente sofrendo por pouco. Isso que minha mãe fala é verdade, quando tinha o lixão aqui no bairro podíamos não ter nada, mas tinha comida porque sobrava muita comida dos lixos. Chegava a pegar batata nova, que ás vezes por uma besteirinha tinha sido jogada fora”.
Além dos três moradores da casa, me deparei também com seus animais de estimação, duas galinhas, um gato e um cachorro que dormiu durante toda a conversa. Além deles há também um cavalo para ajudar a levar a carroça.
No final da conversa, Dona Maria acende seu ‘paieiro’, pede para Eduardo ajeitar o cavalo e a carroça enquanto ela arruma os netos e ajeita a cozinha. Uma breve despedida e vejo a família Meires partir para mais um dia duro de trabalho, todos curiosamente de vermelho.

Editado por Nathana D'Amico

Galeria desta matéria:

Nenhum comentário:

Postar um comentário