segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Guarapuava tem a primeira sala de recursos para superdotados da região

A primeira a oferecer educação especial aos alunos que se enquadram nesse perfil e que fazem parte da rede de ensino estadual

Morgana Nunes

Não é uma tarefa fácil. Vivemos inconscientemente buscando entender as nossas próprias especificidades, desejos e fraquezas que precisam ser melhorados. No entanto, gastamos boa parte de nossa vivência buscando algum ponto forte da própria personalidade, algo que nos faça luzir. Algumas dessas tarefas são incumbidas aos profissionais da educação, pois trabalham em cima das dificuldades e também das habilidades inteligíveis de cada estudante. Há muito tempo, existe o interesse por identificar pessoas talentosas, altamente capazes ou inteligentes, mas nas últimas três décadas isso tem aumentado. Pesquisas comprovam que são crescentes os investimentos em políticas públicas ligadas a programas especiais, que tenham como objetivo trazer progresso para a tecnologia, ciência, economia, através do reconhecimento e desenvolvimento de alunos com superdotação e altas habilidades em potencial.
A sala de recursos para pessoas com altas habilidades/superdotação foi criada em Guarapuava no final de maio deste ano e está localizada no Colégio Estadual Manoel Ribas. É a primeira da região a oferecer educação especial aos alunos que se enquadram a esse perfil e que fazem parte da rede de ensino estadual. Mas, antes disso, já existia a orientação da Secretaria de Estado da Educação para que o mesmo projeto fosse aplicado a outras cidades do Paraná, em Curitiba já existe desde 2005. Em Guarapuava, iniciou neste ano, mas alguns alunos foram avaliados previamente e aguardavam este atendimento. O projeto para a instauração da sala foi criado em março do ano passado, depois de devidamente sancionado, quatro alunos previamente avaliados começaram a receber o atendimento. O próximo passo foi dado pelo Núcleo Regional de Educação, responsável por convocar pedagogos, professores e demais profissionais capacitados em educação especial para dar início ao processo de avaliação e identificação desses alunos nas salas de aula da rede pública do Estado. Segundo a professora especialista em educação especial e coordenadora da sala de recursos com altas habilidades/superdotação, Nicéia Martim, o objetivo é fazer com que os alunos recebam atendimento psicológico especial, exercitem a convivência social e pesquisem sobre a própria área interesse, criando projetos que beneficiem a sociedade.
“ O trabalho na sala é fazer com que os alunos interajam entre si, objetivando que esse relacionamento com os colegas seja aplicado no dia a dia com diversas pessoas. Oferecemos mini-cursos e oficinas com o propósito de enriquecimento curricular. A sala funciona como ponto de encontro, algumas atividades precisam de espaços específicos para serem realizadas. Outro objetivo é fazer com que as áreas de interesse de cada um deles possam gerir um projeto com algum benefício social.”
Alunos com superdotação e altas habilidades também precisam da mesma atenção de uma educação especializada, com profissionais que saibam trabalhar de forma positiva os potenciais de cada um. Atenção esta que é dada também aos estudantes que têm dificuldades de aprendizado, hiperatividade, déficit de atenção, bipolaridade e demais transtornos que possam afetar a aprendizagem.
José Valdir Kukelcik, chefe do Núcleo Regional de Educação em Guarapuava, afirma que a criação de salas especiais para alunos com superdotação e/ou altas habilidades é de suma importância, porque eles precisam saber lidar com o perfil e as características desses alunos especiais. “A importância dessas salas multidisciplinares e multifuncionais é grande. Há tempos, existem salas para alunos com dificuldades cognitivas e da mesma maneira, precisamos oferecer educação de qualidade e diferenciada para alunos com perfil de superdotação. Eles precisam desenvolver seus talentos e habilidades com liberdade e respeito, assim como os colegas de sala de aula”.

Superdotação “ em cheque”
A cultura é um dos principais fatores que influenciam na identificação de pessoas com superdotação e/ou altas habilidades, não somente ela, mas outros como momento histórico, contexto político e social também influenciam no perfil de pessoas que detêm essas características. A variedade de termos e definições acompanhadas de preconceitos e mitos, trazem ainda mais dificuldades para estudo e ampliação do entendimento ao superdotado. Apesar dessas contrariedades, pesquisadores entram em consenso ao dizer que os superdotados são pessoas com alta habilidade cognitiva, são criativos, preocupados com a ética, detêm características de independência e curiosidade intelectual. Assim como todo ser humano, os superdotados não fazem parte de um grupo homogêneo, fatores ambientais relacionados ao sistema educacional, à família, à religiosidade e aos valores socioculturais tornam o conceito complexo e multifacetado.
Cíntia Ribeiro é pedagoga, psicóloga e integra a equipe de Educação Especial do Núcleo Regional de Guarapuava. É umas das responsáveis pela aplicação da avaliação psicológica e educacional de alunos com superdotação, uma fase de procedimentos que assegura de maneira eficiente e capaz de realizar a identificação de estudantes que possuem este perfil .
"Na verdade, chamamos de psicoeducacional, pois envolve o contexto escolar destes alunos e das escolas a qual eles fazem parte. Existem formulários que os professores, pais e próprio aluno preenchem com orientação da pedagoga da escola".
Após essa fase, ainda segundo Cíntia Ribeiro, é solicitada a autorização da família e do aluno para que a responsável pela sala de recursos, a professora Nicéia Martins, tome a frente do próximo passo de avaliação.
"Depois dessa fase, é feita a testagem pedagógica, que engloba testes formais e informais. Posteriormente, é feita a avaliação psicológica que analisa questões emocionais e o potencial intelectual dos alunos. Por último, é realizada uma reunião de devolutiva para a escola e a família".
O interesse em estudar a superdotação e ou altas habilidades é grande, há vários pesquisadores e teóricos para falar sobre assunto. A teoria utilizada para exercer os trabalhos nas escolas da rede estadual da região de Guarapuava é a dos Três Anéis, do psicólogo educacional Joseph Renzulli. Em resumo, ela trata de três bases necessárias a serem aplicadas sobre o conceito de superdotação. “A teoria dos Três Anéis é composta pelas seguintes características: criatividade, habilidade acima da média e envolvimento com a tarefa. Segundo essa teoria, temos basicamente dois tipos de alunos: acadêmicos - que se dão bem e têm facilidade com os conteúdos escolares, geralmente tem notas excelentes em todas as disciplinas; e o produtivo/criativo, que apresentam uma habilidade acima da média nas questões artísticas, culturais, esporte, música, dança, teatro", explica a psicóloga e pedagoga Cíntia Ribeiro.
A OMS (Organização Mundial da Saúde) computa que cerca de 3,5% a 5% de toda a população do mundo possui alguma categoria de superdotação e/ou alta habilidade. É fundamental compreender quem são e como formá-los para que se desenvolva uma educação humanitária de igualdade e respeito.

Super-Pais
“Eu quero que meu filho seja muito feliz e saiba usar o próprio talento de forma sábia. Lenon, aos três anos, já tinha um vocabulário avançado para a idade, lia placas, outdoors, mais textos pelas ruas, mas eu achava que era por associação a cor ou imagem. Aí, fiz um teste em casa, dei alguns trechos de livros e ele leu perfeitamente. A partir daquele dia, eu me tornei pesquisador”. Luciano Ortiz é pedagogo e pesquisa superdotação, mais especificamente sobre vantagens e desvantagens aceleração escolar para superdotados.
O papel que os pais desempenham na vida dos superdotados é de fundamental importância, promissor e inegável, eles precisam acompanhar fase a fase do desenvolvimento do filho. A parte emocional é trabalhada em conjunto com os professores com o objetivo de dar apoio e segurança no desenvolvimento dos talentos. O aluno com superdotação acaba sendo cobrado de muitas maneiras, como se já estivesse pronto e soubesse de tudo. Apesar de serem estimulados por desafios intelectuais, esses alunos precisam ser devidamente orientados para que vivam cada fase da vida saudavelmente .
Para Josué Becher da Silva, empresário e pai da Letícia e do Richard, a avaliação psicológica acompanhada do resultado de superdotação, não alterou em nada o comportamento e a educação oferecida aos filhos dentro de casa e na escola. "Para mim, eles continuam sendo eles mesmos. Em casa foi sempre tranqüilo, dedicados e estudiosos. Depois do laudo com superdotação tudo continuou na mesma, o ensino é o mesmo . Não é porque eles são superdotados que a vida vai ser mais fácil, isso é mais um fator para que tudo isso seja ainda mais estimulado".
Na sala para pessoal com altas habilidades e superdotação, o que pudemos perceber é que os alunos foram estimulados desde de pequenos e antes mesmo de entrar na escola. Josué é um apaixonado por música e compartilhou com seus filhos, ainda pequenos, a mesma paixão. Além disso, ensina o ofício musical em oficinas para os colegas de seus filhos. Já Luciano, faz oficinas e acompanhamento pedagógico para os adolescentes e traz contribuições teóricas e científicas da área.

Superdotados
A sala de aula chama a atenção da criançada que está fora dela. A curiosidade é bastante perceptível, algumas passam e olham atentamente o que está ocorrendo lá dentro, elas sabem e sentem que ali estão pessoas especiais. Gênios em potencial, alguns com veia artística, outros para a lógica dos números, alguns para filosofia da linguagem, com sede de alcançar o conhecimento pleno, uma parte deles preferem o estudo da política e da antropologia. São adolescentes com nível de ensino fundamental e médio, juntos somam doze, mas suas ideias e projetos poderiam somar salas de aulas inteiras. O propósito de estar ali é porque se tratam de pessoas com criatividade acima da média, de olhar crítico e com conhecimento que vai além do know how.
Todas as segundas e sextas, eles se encontram na sala 141 do Colégio Estadual Manoel Ribas. Ali, dividem seus planos, ideias, conhecimentos, mas acima de tudo se divertem e se entendem. Renata Vitória Silvestre tem 11 anos e é ainda pequenina para seus anseios intelectuais. "O conhecimento vem de você, sempre dou o melhor de mim e por isso vou bem nas aulas e isso, de certa maneira, traz um pouco de exclusão. Tenho um amigo de 15 anos que gosta de conversar comigo porque eu entendo o que ele quer dizer, eu levo outras olhares para aquilo. Agora estou lendo sobre Revolução Cubana, li a bibliografia do Che Guevara e gostei bastante, eu gosto de saber sobre a política e os conflitos que ela gera".
Não podemos esquecer que falamos de seres humanos e as características variam e se diferenciam baseadas nas questões históricas, culturais, sociais, políticas, econômicas e biológicas. Julia Savian é a mais alegre e falante do grupo, ri à toa e se diverte com os jingles e piadas da internet. Gosta de assuntos ligados a bruxaria, antropologia da religião e mais alguns conglomerados e considera que o estudo e a competição podem desenvolver a superdotação. "Todos poderíamos ser considerados com altas habilidades, a competição, a leitura e a busca pelo conhecimento são bons modos de se buscar isso. Dar o melhor pode ocasionar a superdotação. Eu gosto de antropologia da religião, tenho um pé na ufologia, também tenho curiosidade por microbiologia. Literatura é uma das minhas paixões e para mim Shakspeare era um superdotado. Me inspiro na Maria Judia, uma mulher que viveu pelos princípios da magia, da religião e da antropologia.”
Oziel Carrasco é ateu e gosta de estudar história e cultura nórdica, mais especificamente sobre runas anglo-saxônicas. Seu estilo musical preferido é o black metal britânico, ele tem aversão a cultura norte-americana. “O meu projeto aqui para a sala de recursos é traduzir uma obra de John Ronald Reuel Tolkien para runas anglo-saxônicas. Eu sou ateu e a minha família é evangélica, as vezes temos alguns conflitos de ideias, mas a gente se respeita. Tenho uma revista que fala de Stephen Hawking, e diz que quando estava na escola, ele ainda não era um aluno muito diligente, por assim dizer. Ele chegava a faltar com uma certa frequência. Uma vez ele tinha que fazer um trabalho, de física e faltava bem pouco tempo para entregar. Aí ele resolveu faze-lo e, resolveu com uma grande facilidade e rapidez, mesmo tendo faltado em várias aulas. Isso é um tanto quanto excepcional, creio que ele tenha superdotação”.

Super Equipe
Quatro mulheres comandam a seleção e o trabalho de difusão da sala. Gianna M.Cordeiro Frutuoso, pedagoga, professora de educação especial e coordenadora da equipe de Educação Especial do Núcleo Regional de Guarapuava, Cíntia Ribeiro, além de ser pedagoga e especialista é psicóloga; Jocilaine Gniech professora de educação física e especialista em educação especial; e Nicéia Martim especialista em educação especial e responsável pela sala de recursos para pessoas com altas habilidades e superdotação.
Alguns alunos que já freqüentam a sala foram beneficiados com bolsas de estudos da Unicentro (Universidade Estadual do Centro-Oeste), além disso, a instituição é parceira do projeto dando suporte e incentivo ao conhecimento acadêmico. Para o ano que vem, a expectativa é intensificar ainda mais o trabalho, trazer novos alunos com outras ideias e planos. Segundo José Valdir Kukelcik, o propósito é dar mais ênfase na capacitação de profissionais da educação. “Não podemos perder de vista que a educação especial precisa de ajustes e de intensa renovação. É uma área com muitas novidades e pesquisas diárias e a capacitação desses profissionais é muito importante. Pretendemos intensificar ainda mais o nosso trabalho de especialização.”
Para Cíntia, o convívio com os alunos é um aprendizado diário que exige muito estudo, dedicação e sensibilidade. “Muitos alunos sentem-se incompreendidos, desanimados com os estudos, autoestima relativamente baixa, dificuldade em se aceitar e aceitar o outro. Por vezes, quando são questionadores, os adultos tendem a se irritar com eles, o que provavelmente cause um comportamento de frustração”.
São alunos que frequentam um serviço da educação especial justamente por ser necessário este olhar mais específico, que enriquece e que suplementa a escolarização do ensino comum.

Editado por Gabriela Titon

Fotos: Morgana Nunes





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* Matéria produzida durante o segundo semestre de 2011 na disciplina de Pesquisa em Comunicação no 4º Ano do Curso de Jornalismo da Unicentro.

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