segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Judô: esporte como transformação social

Eliane Pazuch

Como todos sabem, o esporte traz muitos benefícios às pessoas que o praticam, como saúde, bem estar, resistência física, perda e manutenção de peso, entre outros. Contudo, o esporte também pode se transformar em uma ferramenta de inclusão social capaz de oportunizar sucesso e superação.
Com esse objetivo, foi implantado o projeto Escolinhas de Judô em Guarapuava. Tudo começou por iniciativa do funcionário público e corretor de imóveis Onofre Carioca da Silva Junior. O primeiro contato de Carioca com o judô foi na sua juventude, enquanto estudava no colégio agrícola na cidade de Muzambinho, em Minas Gerais. Durante seus estudos, teve a oportunidade de conhecer a arte marcial. Porém, pelas circunstâncias da vida, não pôde mais praticar o esporte. Veio para o Paraná trabalhar e só depois de aproximadamente vinte anos voltou a treinar em uma academia particular em Guarapuava.
Já trabalhando na prefeitura como funcionário público, resolveu encaminhar à Secretaria de Esportes um projeto de fundação de uma escola de judô para crianças carentes. De acordo com Carioca, faixa preta e segundo DAN do judô, o objetivo do projeto é oferecer às crianças e jovens a oportunidade de aprender um esporte e de ocupar o tempo, evitando que ficassem nas ruas tendo contato com as drogas e a marginalidade. Assim, o programa foi implantado em 2005 e, de lá para cá, só tem crescido.
Carioca conta que o esporte hoje é reconhecido como um fator social de grande importância para a cidade de Guarapuava, na região centro-sul do Paraná, dada a sua grande capacidade de influenciar profundamente a vida e o cotidiano das pessoas. “Entendemos que o esporte é um valioso instrumento de transformação social, pois nele se representam os papéis vividos na sociedade, onde se passam todos os tipos de relação, consigo mesmo, com o próximo e com a sociedade de uma forma geral”.
Hoje, sensei Carioca, como é conhecido por seus atletas, coordena o projeto, tendo várias escolinhas de judô espalhadas pelo município. As aulas atendem crianças, jovens e adultos em sua maioria carentes e já colhe seus frutos com várias medalhas, títulos e troféus conquistados por seus alunos em campeonatos estaduais e até mesmo nacionais. Um exemplo é a judoca Jéssica Karina dos Santos, que conquistou vários títulos, entre eles de vice-campeã brasileira de judô na categoria infanto-juvenil, realizado na cidade de Natal, em 2009. Esse ano, Jéssica conquistou medalha de ouro nos Jogos da Juventude do Paraná, realizados em Campo Mourão, no mês de setembro. Esses títulos somam-se com vários outros que a pequena judoca de quatorze anos já conquistou. “Ganhei todas as medalhas que tenho, graças à oportunidade que tive na escolinha de judô”.
Jéssica conta que começou a frequentar as aulas por incentivo de seu irmão Rodrigo. “No começo, eu ia com ele só pra passar o tempo, mas um dia o sensei me convidou, e aí comecei e não parei mais”. A judoca, faixa marrom, já está no projeto há quase cinco anos e se dedica aos treinos que acontecem três vezes por semana. Residente no bairro Vila Bela, em Guarapuava, afirma que antes de entrar no projeto, era muito tímida e quase não conversava com as pessoas. “Eu tinha poucos amigos, praticamente duas amigas da escola. Mas hoje, com o judô, tenho muitos amigos e já conheci muitos lugares e até já viajei de avião”. Jéssica, de família humilde, afirma que o esporte lhe abriu muitas portas e que hoje a família e seus amigos têm orgulho de suas conquistas. “Meu quarto está cheio de medalhas, e eu as guardo com muito cuidado, pois quando eu tiver meus filhos, vou poder mostrar a eles”.
De acordo com Carioca, Jéssica surpreendeu no esporte, pois quando começou a treinar mal falava com os demais atletas, mas com o tempo foi se soltando e mostrou-se uma atleta competente e dedicada. A mãe de Jéssica, Dalva Brustolin, fala com orgulho da filha. "O judô mudou muito a minha filha. Ela era quietinha e tinha vergonha de tudo e de todos, quase não saía de casa, mas hoje, graças ao esporte, ficou mais extrovertida e isso refletiu em tudo na vida dela". Dalva conta que antes de frequentar as aulas, Jéssica nunca tinha viajado sozinha, mas com as oportunidades que o esporte lhe proporcionou, ela já conheceu até outros Estados do Brasil.
O pai de Jéssica, José dos Santos, revela que se as aulas não fossem ofertadas pelo projeto, jamais poderia pagar uma academia particular para que seus dois filhos treinassem judô. “Esse projeto é muito importante para as crianças de famílias carentes que não têm condições de bancar aulas particulares, e se não fosse dessa forma, meus filhos não aprenderiam esse esporte”. José é mecânico e tem quatro filhos. Ao falar sobre eles, o trabalhador, que tem deficiência auditiva, se emociona e diz com orgulho que, apesar das muitas dificuldades, faz questão de sempre apoiar seus dois filhos para que não abandonem o esporte.
Além da atleta Jéssica, outros 150 alunos frequentam o projeto. Carioca ministras aulas na parte da noite, em duas das escolinhas de judô. Uma se localiza na rodoviária da cidade, na Amam, (Academia de Artes Marciais), e outra funciona nas dependências do 16ª Batalhão de Polícia Militar de Guarapuava que, segundo Carioca, também tem incentivado muito o projeto na cidade, como grandes parceiros. Além das aulas nesses locais, outros três centros também fazem parte do projeto, com aulas no salão da paróquia Perpétuo Socorro, em Guarapuava, e nos distritos da Palmeirinha e Entre Rios. Nesses locais, os treinos são ministrados por alunos formados pelo projeto.
Entres as crianças beneficiadas, também está Sadrak Almeida, de 14 anos. Sadrak participa do projeto há três anos. O judoca conta que recebeu o convite de um amigo que já participava dos treinamentos. Ele afirma que o judô o ajudou a sair das ruas, e que hoje se orgulha do esporte e das medalhas conquistadas. “Antes, eu ficava aprontando na rua, porque não tinha nada pra fazer e hoje, no judô, aprendi que é preciso ser humilde, ter disciplina e respeitar os outros”. Sadrak é um dos exemplos de que o esporte contribui para a socialização das pessoas e como uma oportunidade de seguir carreira como judoca.
Sadrak conta que antes de frequentar as aulas à noite, ficava perambulando pelas ruas de seu bairro. A mãe de Sadrak, Marlene de Almeida, fala que ficava muito preocupada com o menino quando ele ficava na rua. “A gente sabe que na rua tudo pode acontecer, mas eu não tinha controle sobre ele, que gostava de brincar com os amigos, mas, enquanto não chegava em casa, não conseguia descansar”. Hoje, Marlene afirma que está feliz pela oportunidade que o filho tem de participar das aulas e que Sadrak mudou muito depois que aprendeu o esporte. “Ele está mais obediente e me ajuda com as tarefas de casa, como arrumar a cama e levar o lixo”. Essas iniciativas, segundo Carioca, são repassadas às crianças para que aprendam a dividir tarefas em casa e se tornarem pessoas responsáveis.
De acordo com sensei Carioca, o projeto consegue oferecer aos atletas, mesmo que com algumas dificuldades, oportunidades de participar de campeonatos e desenvolver valores como respeito e disciplina. Ele afirma que não permite que os atletas usem as técnicas do judô fora da academia. “Se fico sabendo que alguém brigou na rua ou na escola e usou as técnicas do judô, aplico uma punição”. Carioca explica que não se pode aplicar a luta do judô para benefício próprio, ou seja, não se pode lutar com quem não conhece a arte e não sabe se defender, até porque não se trata de defesa pessoal, mas sim, de um esporte.
O professor revela que para poder participar do projeto, as crianças e jovens em idade escolar precisam estar estudando, e que não basta apenas frequentar as aulas, mas que cobra boas notas e bom comportamento em casa e na escola. No judô, de acordo com as normas da arte marcial, o atleta vai mudando de faixa. Mas, como explica o sensei, é necessário fazer exame teórico e prático, aliado à uma avaliação preenchida pelos pais ou responsáveis e pela escola atestando o bom desempenho e comportamento da criança e do adolescente. Essa exigência, segundo Carioca, é uma forma de manter as crianças na escola e que para a maioria delas não se torna um obstáculo, mas, uma troca de valores.
José Adilsom Cordiak é pai de um dos atletas e afirma que depois que seus filhos Pedro Gabriel e Eduarda passaram a frequentar as aulas, o comportamento deles mudou muito. “Eles estão mais concentrados e melhoraram muito na educação em casa e na escola, porque o sensei cobra deles muita disciplina, o que é necessário para a prática do esporte”. José Adilsom gostou tanto que hoje também pratica o esporte. Com incentivo dos próprios filhos, ele diz que gosta muito de praticar judô. “No começo, era eu quem tinha que insistir para eles virem, hoje é eles que me convidam para vir”. Adilsom também ressalta que o judô é uma oportunidade que as crianças e jovens têm de praticar um esporte saudável, de se socializar e de formar novas amizades. O filho de José Adilsom, Pedro Gabriel, ressalta que gosta muito do esporte e se depender dele não vai parar mais. “Gosto muito do judô, e já vou trocar de faixa no próximo mês”.
Kimberly Letícia Pratas dos Santos tem 11 anos e está no projeto hà seis meses. Ela conta que se aproximou do esporte por conta própria. “Vim buscar um parente na rodoviária, vi os alunos treinando no tatame, fiquei curiosa e fui me informar se poderia participar também”. A judoca ressalta que, apesar do pouco tempo no esporte, já se identificou com ele. “Gosto muito da história do fundador do judô, Jigoro Kano, que tinha uma vida humilde, mas com sabedoria criou uma arte marcial muito importante”. A judoca diz que também gosta muito do vocabulário japonês, já que várias palavras precisam ser ensinadas no esporte como golpes, projeções, defesas, números e palavras de tratamento, como bom dia, boa noite, por favor, e tantas outras comuns ao cotidiano. Kimberly revela que pretende seguir no esporte e se tornar sensei. “Admiro muito meu professor e como alguns alunos dele já se tornaram professores, vejo que tenho possibilidades de seguir nesse caminho”. Antes de participar dos treinos, Kimberly disse que ficava em casa sem fazer nada e que era desorganizada, pois tinha preguiça de fazer os deveres da escola. “Hoje, treino três vezes por semana e aprendi a me organizar melhor com meus estudos e aproveito melhor o tempo”.
Nos fundamentos do judô, encontra-se a preocupação com a formação do ser humano com valores essenciais como a disciplina, o respeito e a inteligência. O lema da arte marcial traduz muito bem essas virtudes: ceder para vencer. Jigoro Kano fundou a arte marcial em 1882, no Japão. De acordo com o material didático utilizado pelas escolinhas de judô de Guarapuava, a história desse esporte começou em uma noite de muita neve. Jigoro Kano observou um carvalho aparentemente muito resistente se quebrar com o peso da neve, enquanto a cerejeira com sua estrutura frágil soube se curvar diante do peso da neve e assim se salvou. Dessa forma, Jigoro entendeu que muitas vezes não basta ser forte, é preciso ceder ao adversário para poder vencê-lo. Para isso, o judoca deve usar não apenas a força, mas sim a técnica e a inteligência.
Além do treinamento prático, Carioca afirma que os alunos aprendem sobre essa história para entenderem os valores deixados pelo fundador. Em sua avaliação, o projeto tem se mostrado uma importante ponte entre o esporte e a inclusão social. “Por meio de um processo diferenciado de esporte, propomos alcançar a valorização e o reconhecimento do indivíduo como cidadão, principalmente aqueles que não possuem uma condição social favorável, proporcionando ao mesmo acesso a ambiente convivências sadias”.
Sensei Carioca revela que existe uma preocupação da grande maioria das pessoas envolvidas com o esporte, na ênfase à formação técnica de crianças, adolescentes e jovens, como forma de descobrir talentos para o esporte. Neste caso existe exclusão, já que, normalmente, são descobertos somente aqueles que possuem condições financeiras de treinarem em alguma agremiação. Por isso, o projeto Escolinhas de Judô se propõe justamente a amenizar essa exclusão.

Editado por Gabriela Titon

Fotos: Divulgação
Jéssica Karina dos Santos e suas medalhas

Sensei Carioca com a atleta Jéssica

Atletas do projeto na Academia da Polícia Militar de Guarapuava
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* Matéria produzida durante o segundo semestre de 2011 na disciplina de Pesquisa em Comunicação no 4º Ano do Curso de Jornalismo da Unicentro.

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